Em 2006 a editora italiana Lo Scarabeo colocou no mercado um deck de cartas chamado "Tarot Lenormand" com desenhos criados por Ernest Fitzpatrick, trabalho gráfico de Pietro Alligo e livreto de instruções escrito por Alma De Angelis.
Se considerarmos que o sistema chamado "Lenormand" não é semelhante ao do "Tarot" e dele difere desde o número de cartas (36 e 78, respectivamente), à proposta simbólica (emblemas e arquétipos, respectivamente), uso (ou não) dos naipes para a interpretação das cartas, eu me pergunto: terá sido esse deck lançado exclusivamente para aproveitar a "onda" de entusiasmo que o Lenormand estava criando, especialmente junto aos cartomantes da América do Norte? Teria sido para criar apenas mais um deck "temático" que em lugar de se utilizar de imagens representativas de, por exemplo, monumentos e aspectos de cidades, personagens de histórias infantis ou folclore e misticismo de culturas diversas, estaria se adaptando, ou melhor, "adequando" as figuras do Petit Lenormand (e de outros oráculos, especialmente as Sibilas italianas) numa tentativa de compará-las ou assemelhá-las às tradicionais imagens do Tarot?
Tenho esse deck há uns 10 anos e, honestamente, o que minhas pesquisas em fóruns e páginas da internet retornam é pouco diante da minha curiosidade a respeito. Considero-o um "híbrido": algo cujas figuras (algumas) causam estranheza quando usado como um tarot e que, ao mesmo tempo, não chegam a completar satisfatoriamente as 36 lâminas do Lenormand ou, até mesmo, das Sibilas ou dos chamados Baralhos ou Cartas Ciganas.
Hoje, uma vez mais, resolvi "montar" uma sequência das 36 cartas do Petit Lenormand com as cartas do "Tarot Lenormand" e, confesso, continuo menos satisfeito e até mesmo um pouco frustrado com a ausência de uma correspondência visual, artística, pictórica, como queiram, de algumas delas, em especial as cartas do Trevo (#2), Casa (#4), Nuvens (#6), Buquê (#9), Cegonha (#17), Torre (#19), Montanha (#21), Livro (#26), Lírios (#30) e Peixes (#34).
É fácil entender a substituição da imagem de um "Trevo" (dentro da chamada "escola europeia" de interpretação) pela carta comumente chamada de "Sorte (ou Dinheiro) Inesperada", comum aos decks de oráculos como as Sibilas e as Cartas Ciganas, pois afinal, independente do sistema oracular, essa carta é frequentemente interpretada como algo de curta duração, rápido, uma surpresa agradável, uma vantagem inesperada.
A carta da "Casa" poderia perfeitamente ser a carta 10 de Ouros desse deck, não fosse o fato de que a única imagem de um Cão, em todo o baralho, se encontra nessa mesma lâmina. Optei, então, em usar o 4 de Copas, cuja imagem reproduz o interior de uma casa, imagem essa que também é comum a oráculos (ou sistemas, como preferirem) como o Kipper, as Sibilas e as Cartas Ciganas. A "Casa" representa não apenas nossa residência, local onde se agrega a nossa família, mas também nossos imóveis, nosso entorno, nosso jardim, vizinhança, bem como nosso abrigo e segurança e, além disso, nosso corpo, nosso "eu". A imagem do interior de uma residência pode representar aquilo e aqueles que nos são próximos, nosso espaço particular, exclusivo e, acredito, não estaria de todo longe do significado geral da carta de número 4 do Petit Lenormand.
Ainda que um grande número de cartas do "Tarot Lenormand" traga nuvens nas diversas imagens de suas lâminas, nenhuma é especificamente similar à carta de nº 6 do Lenormand. Usei, para substituir ou significar, essa carta o Ás de Espadas pois, afinal, as "Nuvens" costumam se referir à questões racionais, assuntos que demandam o uso do raciocínio sejam eles escolhas ou mesmo uma situação menos clara, menos evidente, em que nos sentimos incapazes de enxergar com clareza todos os seus aspectos, o que nos causa confusão e estranheza. Não que eu considere o Ás de Espadas do Tarot semelhante à carta das "Nuvens", do Lenormand. Simplesmente era a imagem que tinha uma nuvem escura bem destacada e, até mesmo uma Espada apontando claramente para o lado obscurecido, enuviado, onde a possível confusão mental esteja.
É interessante que nenhuma carta com o desenho de flores faz parte desse Tarot. Usei, para substituir o "Buquê", a carta do 3 de Copas, uma carta que também nos fala de alegrias, de graça, beleza, diversidade, coletivo, momentos agradáveis especialmente na companhia de outras pessoas. As figuras dançantes num jardim, dessa ilustração do 3 de Copas, não fogem totalmente à ideia do tradicional arranjo de flores usados para ilustrar a carta de número 9 do Petit Lenormand.
Definitivamente não há nenhuma "Cegonha" no "Tarot Lenormand" mas, providencialmente, a carta 8 de Copas é ilustrada com a imagem de uma carruagem em movimento, bem como de um viajante que também segue a pé pela estrada. Mudança, transferência, relocação, pequenas viagens, passeios, são alguns dos atributos interpretativos da carta das "Cegonhas" que podem, também, serem vistos na imagem que o artista criou para ilustrar essa carta.
Não gosto da imagem do Arcano XVI, a Torre, para ilustrar a carta nº 19 do Petit Lenormand. A "Torre" desse oráculo de origem francesa, tem significados bastante diferentes do que aqueles do Tarot. Enquanto no Tarot a Torre é sinal de uma profunda ruptura, de uma "queda do Paraíso", de uma grande tomada de consciência e mudança de condições, de uma situação radical e de efeitos nem sempre bem vindos, a "Torre" do Lenormand nos remete a conceitos como longevidade, tradição, hierarquia, burocracia, edifícios e monumentos públicos ou importantes, solidão, isolamento e, até mesmo prisão e hospitais.
Montanha é o que não falta nas ilustrações das lâminas das figuras de Corte do "Tarot Lenormand", mas não são nunca protagonistas e se limitam a fazerem parte da paisagem distante. Para substituir essa poderosa imagem de obstáculo, de impedimento, inimigos, oposição, sérias dificuldades, optei pela carta do Pendurado (ou Enforcado, como queiram), Arcano XII do Tarot. Não sinto nele a mesma força, a mesma presença ameaçadora e desafiadora do emblema da "Montanha", carta nº 21 do Petit Lenormand, mas posso aceitar que compartilham muitos dos seus próprios significados.
A única carta com a presença de um "Livro" neste deck "Tarot Lenormand" eu usei para representar a carta número 4 do Petit Lenormand, a "Casa". Portanto, a imagem mais próxima que pudesse traduzir o conceito de instrução, conhecimento, educação, cultura, inteligência, documentos, segredos e o que se encontra oculto foi a do Arcano VI, o Papa (ou Hierofante, como preferirem). Até mesmo a lâmina da Sacerdotisa (ou Papisa, Arcano II) não possui um livro, como é de costume, mas representa Mlle. Lenormand escrevendo uma carta, enquanto esteve presa por ordem de Napoleão. Na imagem que escolhi, a do Papa, o artista mostrou-o explicitamente exibindo um documento, ou seja, uma informação, algo que é preciso saber, tomar conhecimento, significados muito semelhantes aos que acompanham a carta número 26 do Lenormand.
Como já escrevi, nenhuma flor em evidência nesse "Tarot Lenormand", ou pelo menos nada que pudesse ser usado como "substituto" do emblema dos "Lírios", carta de número 30 do Petit Lenormand. Na falta de uma imagem adequada, procurei aproximar significados e acabei por usar o Arcano IX, a anciã figura do Eremita, símbolo da experiência, da maturidade, moralidade, tradição, do inverno e da brancura tanto da neve como dos cabelos dos anciãos. Alcança todas as possibilidades interpretativas que a carta dos "Lírios" atinge? Creio que não mas, salvo melhor imagem (que, honestamente, pessoalmente fui incapaz de selecionar), ele pode representar essa harmonia, esse estar bem consigo mesmo que a alvura dos lírios representam.
Finalmente, por mais que procurasse, não encontrei no "Tarot Lenormand" nenhuma carta que tivesse a imagem de, pelo menos, um peixe. Muito frequente em oráculos como o Kipper, as Sibilas, as Cartas Ciganas, a carta da "Fortuna" ou da "Sorte Grande", representada pela deusa que segura uma cornucópia transbordante de benesses, vantagens, riquezas, alimentos, etc. pode traduzir diversos dos significados mais comuns da carta de número 34 do Petit Lenormand, os "Peixes". A ideia de abundância permeia ambas as cartas, seja em lucros materiais, seja em fertilidade de ideias ou na multiplicação reprodutiva, e isso em muito as aproxima e pode, até mesmo, permitir que associemos ambas.
Tenho, porém, algumas (poucas) propostas de substituição das cartas por mim escolhidas nesse deck de "Tarot Lenormand" para representarem algumas cartas do Petit Lenormand.
A que, talvez mais me agrade para representar a carta nº 30, os "Lírios", seja a do Arcano XIV, a Temperança, onde a imagem do elefante nos remete à ideia de tempo, tradição, e os vasos interccambiantes, à da harmonia, paciência, equilíbrio.
Gostaria de lembrar que os naipes das cartas do "Tarot Lenormand" não influenciaram em momento algum na minha escolha (com exceção da Carta das "Nuvens"), baseada exclusivamente em imagens.
Também que essas minhas escolhas fazem parte de um processo pessoal de busca de entendimento de como um sistema tão bem definido, como o Lenormand, é "apropriado" e utilizado, sobretudo, como imagens das cartas do Tarot. Talvez essa "fusão" seja uma resposta à presença dos naipes do Baralho Espanhol ou dos Arcanos Menores do Tarot, na grande maioria das cartas do Petit Lenormand. Talvez...
As opiniões e sugestões pertinentes ao assunto tratado nesta postagem são extremamente bem vindas e fico desde já agradecido por quem puder contribuir para melhor elucidar essas prováveis substituições imagéticas e simbólicas das cartas.
Concordo plenamente com essa ideia de colocar símbolos demais ou mesmos mudar o conteúdo da carta, isso mata a intuição, sai do objetivo real que é interpretar a carta usando a intuição e não dependendo do excesso de símbolos para acessar a intuição!!!!
ResponderExcluirConteúdo extremamente importante, interessante e maravilhoso para quem estuda esses oráculos. Muito obrigada Alex por compartilhar sempre os seus ensinamentos com quem sempre será uma eterna aprendiz,sempre admirei muito o seu trabalho.
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